Leonardo Ribeiro foi escolhido para atuar diretamente no segmento de infraestrutura e nomeado em fevereiro pelo ministro dos transportes, Renan Filho
BRASÍLIA – O economista e analista legislativo Leonardo Ribeiro construiu boa parte de sua carreira no setor público voltada às finanças do Estado, de olho também nas formas de tornar o gasto público mais eficiente. Neste ano, foi escolhido para atuar diretamente no segmento de infraestrutura, nomeado em fevereiro como Secretário Nacional de Transporte Ferroviário do Ministério dos Transportes, comandado por Renan Filho (MDB).
Agora, alocado em uma das pastas tidas como mais “gastadoras” na Esplanada dos Ministérios, Ribeiro vê a responsabilidade e a previsibilidade fiscal como “aliança” fundamental ao desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, que enfrenta um déficit gigantesco de investimentos. “Estou otimista de que teremos um programa de controle de gastos correntes, possibilitando espaço fiscal para investimento em infraestrutura”, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast. A falta de priorização ou de espaço no Orçamento para investir em ferrovias são historicamente obstáculos para o desenvolvimento do modal, que carrega apenas 17% das cargas no País. Governos passaram com a promessa de aumentar de forma significativa esse número, sem sucesso. Ribeiro avalia existir hoje uma combinação de fatores para mudar esse cenário.
Assim como integrantes da Casa Civil e da Fazenda, o secretário e o ministro dos Transportes dizem acreditar no uso das Parcerias Público-Privadas (PPP) para impulsionar o modal. Como a viabilização desse instrumento, que depende de recursos públicos, sempre esbarrou na falta de um sistema de garantias, Ribeiro defende uma solução ao problema que passa pela reforma fiscal do Estado.
Entre as ideias estaria prever uma despesa obrigatória para sustentar as contraprestações da União nas PPPs. “O País já teve todo tipo de despesa obrigatória, só não teve uma das mais importantes, que é para viabilizar PPP para infraestrutura”, disse Ribeiro, que também é um dos idealizadores da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.O secretário ganhou mais experiência no setor de infraestrutura ao propor – quando atuava como assessor no gabinete do ex-senador José Serra – o que se tornou em 2021 o novo Marco Legal das Ferrovias. Na entrevista, ele indicou possíveis rumos na regulamentação da lei, falou sobre o futuro da Ferrogrão, além das renovações antecipadas de contrato de concessões.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual foi a missão que o senhor recebeu do ministro Renan Filho para a secretaria?
O ministro Renan Filho me passou a missão de aumentar a participação do setor ferroviário na matriz de transporte, ouvindo os stakeholders, e trazendo a experiência que tenho nas áreas fiscal, legislativa e econômica para a infraestrutura. É uma secretaria inédita desde a Constituinte. O novo governo mostra que teremos um ciclo de planejamento de infraestrutura mais estável, e com esse novo arcabouço fiscal podemos ter um compromisso fiscal de longo prazo com a infraestrutura.
O governo anterior anunciou intenções de expandir a malha ferroviária, mas trabalhava com cenário de restrição fiscal. Como o modal pode se beneficiar nesse novo cenário?
O teto de gastos teve sua importância lá trás, mas não funcionou porque foi criado para controlar gastos ineficientes, mas ele foi sendo alterado, e a infraestrutura foi a principal vítima. Quando se vê a relação entre gasto corrente e gasto com investimento, vemos uma queda brutal de investimentos. A situação que herdamos no setor de transportes é caótica. Com o ministro Renan Filho estou otimista. Eles fizeram uma grande gestão em Alagoas, com George Santoro (ex-secretário de Fazenda em Alagoas e escolhido para ser secretário executivo nos Transportes), um programa de investimentos com responsabilidade fiscal. Precisamos caminhar nesse programa de investimento em infraestrutura com estabilidade macroeconômica, com estabilidade fiscal, porque isso é importante para deixar sob controle a inflação, os juros. O ambiente econômico é muito importante para infraestrutura. Estou confiante de que a equipe econômica é muito qualificada. Otimista que teremos um programa de controle de gastos correntes, possibilitando espaço fiscal para investimento em infraestrutura.
E como atingir esse ambiente?
O novo arcabouço fiscal com reforma tributária vai transformar o Brasil. E não estou falando só de investimento público direto, mas PPPs. A grande questão da PPP é o viability gap fund (recurso para viabilizar um projeto que, repassado à iniciativa privada sem recursos do Estado, não se sustenta financeiramente).
E para entrar nesse tipo de projeto o investidor precisa ter claro o nível de sustentabilidade fiscal da União, que ela não deixará de pagar sua parte pelo projeto…
A aliança na infraestrutura com previsibilidade fiscal é fundamental. Isso permite que o privado tenha confiabilidade de que aquela fonte de recursos para contraprestação de uma PPP vai se dar dentro de um arcabouço. Pode-se fazer isso de formas distintas. Tem fundos garantidores. O exemplo da Bahia é muito interessante. Mas no governo federal existem algumas dificuldades para operacionalizar o fundo garantidor. Acho que uma saída, que parece estar sendo discutida, é ter uma despesa obrigatória para contraprestação. Se você coloca isso num arcabouço que terá uma despesa para fazer equalização de uma PPP, que não pode ser contingenciada, aí você cria instrumento que o Brasil nunca teve. O País já teve todo tipo de despesa obrigatória, só não teve uma das mais importantes, que é para viabilizar PPP para infraestrutura.
E hoje o time da Fazenda é muito simpático às PPPs…
Estou dando meu pitaco. Acho que poderia resolver essa questão da previsibilidade colocando isso. Se tem espaço fiscal para fazer essa equalização, o que você precisa, que é o mais importante, são bons projetos. Com isso, vejo o Brasil deslanchar, porque não vai faltar PPP para bons projetos.
Já tem algum novo projeto que vocês enxergam para ser construído com suporte orçamentário da União? Hoje temos o corredor Fico-Fiol construído em parte com investimento cruzado (a partir de recursos obtidos com as renovações antecipadas de contratos de concessão de ferrovias).
O corredor com Fiol 1, 2 e 3 e Fico faz a integração entre Centro-Oeste e os portos de Santos (SP), de Ilhéus (BA). No trecho da Fiol 2, estamos com cerca de 58% (de execução), faltam dez pontos percentuais para chegarmos num nível viável para fazer concessão (do corredor – com exceção da Fiol 1, já concedida). Quanto à Fico, tem boas notícias. Chegaram 1,8 mil toneladas de trilhos no canteiro (e mais 5,2 mil toneladas de trilhos já descarregadas no porto).
Qual é o prazo para esse trecho da Fico, que é executada pela Vale?
Cinco anos. E nosso trabalho será para reduzir. Os trilhos estão chegando. E nosso trabalho é acelerar e isso virar possibilidade de concessão.
A renovação da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) travou no último governo porque cada Estado por onde a ferrovia passa pedia por um projeto diferente, que atendesse a sua região…
O governo anterior não teve nenhuma preocupação com a coordenação intergovernamental. Pelo contrário, eu chamaria de federalismo de colisão. Tinha uma briga danada entre Estados e municípios e União toda hora. Agora não. Fica muito mais fácil. O comitê de federação é uma boa prática internacional. Dá para ouvir os subnacionais e fica mais fácil na hora de selecionar os projetos. E isso pode ser importante na renovação da FCA.
Mas já está definido se vocês vão renovar ou não a concessão da FCA?
Não tem nada decidido.
Isso passa por uma reavaliação da política de renovação antecipada de contratos como um todo?
Eu não diria que é uma reavaliação. Estamos olhando como foram feitas as últimas renovações, estamos fazendo as contas e vendo o que pode ser aprimorado e melhorado, dentro de um ambiente de interação.
O presidente da Infra SA, Jorge Bastos, nos falou sobre a possibilidade de usar trechos devolvidos da FCA para formatar trechos como PPP, se a renovação for assinada…
A FCA é uma grande malha. Tem trechos sem operacionalidade. Tem trecho de Corinto (MG) a Campo Formoso (BA) que está com pouca operacionalidade. O concessionário precisa indenizar caso aquele trecho devolvido não esteja em condições. E esse é um recurso que pode ser usado numa PPP. Estou falando que pode, uma possibilidade. Estamos avaliando as opções para apresentar propostas. Tem que ser conversado com a Casa Civil, o PPI, a própria empresa.
E para Ferrogrão, o que vocês estão pensando? Hoje está suspensa por decisão do STF por questão envolvendo o Parque do Jamanxim, no Pará.
A Ferrogrão tem importância porque ela vai escoar a produção de grãos para Miritituba (PA), escoando a produção de Mato Grosso. Tem tratativas que nós devemos fazer com o Ministério do Meio Ambiente.
Ela é olhada como um ‘projeto verde’, mas com críticas de ambientalistas…
Acho que podemos pensar dessa forma: se não fizermos a Ferrogrão, o que vai acontecer? Se tiver que duplicar a BR-163 você vai ter um problema ainda maior ambiental. Acho que Ferrogrão é muito importante. Inclusive, discute-se a viabilidade de se fazer um trecho menor. A grande questão da Ferrogrão é a MP que alterou o Parque do Jamanxim. A Constituição fala que isso deveria ter sido proposto por projeto de lei. É uma questão que será decidida pelo STF, pautada para maio. Mas aqui estamos estudando, levantando diagnóstico.
Em novembro, o governo editou decreto para regulamentar o marco legal das ferrovias. Vocês pensam em ajustar ou editar novo decreto?
A discussão do marco legal foi incrível (o relator era o petista Jean Paul Prates, que negociou o projeto com o governo Bolsonaro). O senador José Serra tem uma frase muito boa: a política é a arte de ampliar os limites do possível. E nessa discussão, vimos isso. E na regulamentação, temos muitas possibilidades. A lei fala de um plano nacional de transporte ferroviário, estamos pensando como poderia ser. E tem a questão do compartilhamento de malha. A economia mostra que você pode fazer a cooperação entre os agentes econômicos. Quando eles percebem que cooperar é melhor que competir, entra num ambiente onde você pode fomentar negócios. Em vez de fazer duas autorizações de ferrovias, uma do lado da outra, por que não juntamos forças? Por que não fazer cooperação com uma malha estruturante, e mostrar que vamos ter carga para passar? E o importante também é ter as definições do que é ferrovia estruturante, do que é shortline, porque a estruturante pode demandar um planejamento mais atuante do Estado.
via Estadão