Presidente do Senado tem agenda voltada para o Judiciário
Reeleito presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) quer nos próximos dois anos deixar como legado três propostas de grande impacto no poder Judiciário: a volta do chamado quinquênio, que restabelece o pagamento de adicional por tempo de serviço para juízes, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública de todo o país, cujo custo estimado é de R$ 5 bilhões ao ano; o projeto que fecha a porteira dos chamados supersalários, disciplinando o pagamento de auxílios que driblam o teto constitucional; e a fixação de mandatos para ministros de tribunais superiores, incluindo os do Supremo Tribunal Federal (STF).
Aproveitando a boa relação que tem com o STF, principalmente por ter engrossado o coro contra os atos antidemocráticos, Pacheco começou um périplo no gabinete dos ministros para alertá-los de que as mudanças podem acontecer ainda nesta legislatura.
Em relação à definição de mandatos para ministros, alguns integrantes do STF comunicaram a Pacheco que simpatizam com a ideia. Mas, em geral, a avaliação é de que o fim da vitaliciedade do cargo é uma mudança radical e que Pacheco deve assumir o compromisso de presidir um longo debate no Congresso, de preferência com a realização de audiências públicas das quais participem juristas, pesquisadores e especialistas do direito.
Apesar da pauta delicada, interlocutores afirmam que os debates travados entre Pacheco e os ministros do Supremo são de natureza institucional – o tom não é de pressão, nem de troca de favores, conforme relatou uma fonte da Corte.
Proposta de mandato nos tribunais valeria para os próximos integrantes, não para os atuais ministros
O presidente do Senado, por sua vez, quer evitar que a matéria se torne um meio para alas bolsonaristas da Casa emparedarem a Corte ou incluírem mudanças que afetem o equilíbrio e independência dos Poderes.
Isso porque já tramitam no Senado duas propostas de emenda à Constituição (PEC) que fixam mandatos de oito anos para os integrantes do STF, mas que trazem outras mudanças consideradas temerárias. Uma, de autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), altera também os processos de escolha dos ministros de tribunais superiores, que passariam a ser indicados não só pelo presidente, mas também pelo Senado e pela Câmara dos Deputados.
Outra, do senador oposicionista Plínio Valério (PSDB-AM), institui uma lista tríplice, para que dela o presidente faça sua escolha em 30 dias. Caso expire o prazo, o Senado indicaria um nome para integrar o STF.
A PEC do senador do PSD prevê ainda o aumento da idade mínima para compor a Suprema Corte, de 35 para 55 anos, e a aposentadoria compulsória, que hoje ocorre aos 75 anos, seria aos 70 anos. Os ministros seriam indicados de forma semelhante ao que já ocorre no Tribunal de Contas da União (TCU), com Câmara e Senado responsáveis por três escolhas cada e a presidência, por cinco nomes – no TCU, com nove integrantes, são três indicações para cada.
Pacheco, segundo interlocutores, é favorável a um mandato um pouco maior para os ministros de tribunais superiores, algo entre 10 e 12 anos, e a rever pontos como idade mínima para ingresso e instituição de uma aposentadoria especial. Um ponto fundamental defendido pelo presidente do Senado é que as mudanças não afetem os atuais membros da Corte, apenas se aplicando aos futuros ministros.
Advogado de formação, tendo sido conselheiro federal pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG), Pacheco é atuante em favor de demandas da classe. Em seus primeiros dois anos à frente do Senado, atuou, por exemplo, na aprovação da lei que atualizou o Estatuto da Advocacia e na fixação de honorários de acordo com o Código de Processo Civil. Também articulou a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), com sede em Minas Gerais.
É nesse sentido que ele assumiu para si a tarefa de defender uma das propostas mais criticadas em tramitação do Congresso Nacional: a volta do quinquênio, adicional na remuneração equivalente a 5% do salário, que passaria a ser incorporado a cada cinco anos por magistrados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Tal ganho, que poderia ser acumulado ao limite de 35% (sete quinquênios) não seria contado para efeitos do teto constitucional.
A PEC do quinquênio é uma pauta há tempos defendida pelo ministro Luiz Fux. De perfil corporativista, Fux já verbalizou ao presidente do Senado, em reunião privada no ano passado, que este é um pleito antigo da magistratura e dos membros do MP para reparar perdas inflacionárias. Procurado, o STF confirmou que, quando presidente da Corte, Fux manifestou apoio à aprovação da PEC do quinquênio.
A proposta assegura também a contagem de tempo de exercício anterior em carreiras jurídicas, como na advocacia, para o cálculo desses ganhos. A medida ainda se estende a aposentados e pensionistas que tenham direito à paridade de remuneração e abrange também membros dos Tribunais de Contas da União (TCU), dos Estados (TCE) e dos municípios.
Tanta benesse fez com que a proposta encontrasse resistência. Entre idas e vindas, já está há 10 anos tramitando no Senado: hoje seu maior defensor, Pacheco nem era parlamentar na época em que a PEC foi originalmente apresentada, em 2013, pelo ex-senador Gim Argello (PTB-DF).
Pacheco tentou colocar a matéria em votação no fim do ano passado, faltando poucos dias para o recesso parlamentar. Representantes do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, como o líder no Senado Jaques Wagner (PT), advogaram pelo adiamento para que o futuro governo pudesse avaliar a proposta. Também pesou a falta de uma estimativa de impacto orçamentário no relatório, elaborado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), um aliado de Pacheco.
“É um compromisso com a Justiça brasileira. É uma carreira de dedicação exclusivíssima, não podemos permitir que esta carreira seja aviltada, menosprezada, que não seja atrativa”, disse o presidente do Senado ao aceitar o adiamento.
No parecer, Gomes disse que, nos últimos anos, mais de 600 magistrados deixaram os seus cargos em direção à advocacia ou outra carreira pública e que 4 mil cargos de juiz estão vagos.
Segundo cálculos da Consultoria do Senado, a eventual aprovação da PEC do Quinquênio custará em torno de R$ 5 bilhões anuais apenas ao governo federal. Entidades ligadas aos magistrados defendem o reajuste a cada cinco anos, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Nelson Alves, presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe), alega que um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o impacto nas contas públicas seria muito menor do que o apresentado pelos técnicos do Congresso Nacional. “Na hipótese mais conservadora, ou com maior gasto, seria de pouco mais de R$ 157 milhões/ano. Esse montante representa cerca de 1% do orçamento da Justiça Federal”, diz Alves.
O economista Manoel Pires, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pondera que esse é um tema em que o mérito deve ser analisado junto com a questão financeira. “O relevante é saber se esse é um tipo de política salarial adequada para o serviço público. A maior parte dos especialistas acredita que não é razoável organizar a força de trabalho no serviço público desta forma, sem alcance de metas, melhor atendimento à população, et cetera”, disse Pires.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou ao Valor que assuntos relacionados a volta do quinquênio não chegaram à pasta. O maranhense foi juiz federal por 12 anos e presidiu a Ajufe no biênio 2000/2002. Perguntado como via a questão pessoalmente, Dino afirmou que essa não está entre as prioridades e sinalizou que o governo federal pode não ver a proposta com bons olhos. “No momento o Brasil tem outras prioridades e isso pode atrapalhar inclusive na questão fiscal”, disse.
Pacheco tem garantido que, aprovada a PEC do quinquênio, esta só será promulgada e passará a valer após a aprovação de um projeto que combate supersalários de agentes públicos, ao disciplinar o pagamento de auxílios que driblam o teto constitucional. São as duas medidas combinadas, alega, que farão a conta fechar.
“É necessário reconhecer as limitações da carreira e compensá-la com prerrogativas e especificidades próprias. A magistratura precisa ser atrativa como carreira. Isso é fundamental para a democracia”, afirmou ao Valor.
Eleito senador em 2018, Pacheco tem mandato até o início de 2027. Seu nome com alguma frequência aparece em rodas políticas como um possível indicado ao STF no futuro. Após as duas vagas no STF que abrem este ano, com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, a próxima indicação ao Supremo (caso ninguém resolva deixar o posto antecipadamente) será em 2028, com a aposentadoria de Luiz Fux.
via Valor Econômico