Para a economista Carla Beni Menezes de Aguiar, Judiciário, Ministério Público e Forças Armadas estão no topo da pirâmide de privilégios
Enquanto o governo federal concentra suas atenções na reforma tributária, apontada como prioridade da pauta econômica em 2023, uma outra proposta, considerada por especialistas fundamental para o desenvolvimento do país, segue adormecida nos escaninhos do Congresso Nacional.
“São feudos poderosos. Há pressões muito grandes envolvidas e, por meio delas, eles mantêm seus privilégios. Trata-se, basicamente, de um jogo de forças”, avalia Carla.
Na entrevista, a economista defende a redução “radical” do número de cargos comissionados, enumera distorções entre os setores público e privado e diz que é necessária uma “mudança de cultura” no país, em nome da maior produtividade e do fim dos privilégios no serviço público.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Carla Beni Menezes de Aguiar ao Metrópoles:
Muito se fala na reforma tributária, mas há quem diga que a administrativa é a “mãe de todas as reformas” porque traz eficiência à máquina pública. Qual é a importância da reforma administrativa para o país?
O maior objetivo de uma reforma administrativa é oferecer, com um custo mais baixo, um serviço de maior qualidade para o cidadão. Essa reforma é abrangente. Ela reorganiza todos os entes da federação: União, estados, Distrito Federal e os municípios, além dos servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. É uma reestruturação de cargos e salários, sempre buscando melhorar a qualidade do serviço público. A função central da reforma administrativa é modernizar o modelo de administração pública no país. Infelizmente, não tenho visto no cenário atual um debate real sobre a reforma. Apenas algumas alterações menores e pontuais.
Outros governos já tentaram colocar a reforma administrativa em pauta, mas a proposta jamais avançou. Por que é tão difícil fazer uma reforma administrativa no Brasil?
A dificuldade, hoje, está na politização em torno do tema no Brasil. Há um senso comum na sociedade de que o funcionário público gasta muito e é ineficiente. Colocou-se todo o funcionalismo público no mesmo pacote, desde o servidor do município até o Ministério Público, o que é um erro. Isso é um desserviço. A tendência é que façamos alguns cortes em privilégios que, de fato, existem, mas desperdicemos a chance de fazer uma reforma mais profunda, lamentavelmente. Além disso, o primeiro grupo a ter redução de privilégios será o grupo que terá de aprovar a reforma (deputados e senadores). Essa é a natureza da dificuldade da aprovação da reforma administrativa.
Qual seria a reforma administrativa ideal?
A reforma administrativa precisa diminuir drasticamente o número de cargos comissionados. No Brasil, há muito mais cargos comissionados do que em outros países. Também precisamos otimizar e modernizar os concursos públicos. Acabar com os concursos públicos não é a solução. Eles são relevantes, mas devem ser remodelados. Temos de reestruturar os concursos e a linha de cargos e salários, além de cuidar para que não tenhamos distorções tão grandes entre o setor público e o setor privado. Para que se tenha uma ideia, há uma quantidade de férias muito maior no setor público do que no privado. No setor público, há um teto constitucional de salário que não é cumprido por causa de uma série de ganhos extrateto. Isso passa uma imagem muito ruim para a população, além do desperdício de caixa.
No setor público, ainda há uma grande resistência à definição de métricas como avaliação do desempenho dos servidores, por exemplo. A reforma administrativa também passa por uma mudança na cultura organizacional do Estado?
Sim. Entendo que precisamos, sim, passar por uma mudança de cultura para implementar a questão da produtividade dentro de alguns segmentos do setor público. Por outro lado, a população precisa entender a importância da estabilidade de alguns cargos. A estabilidade do cargo público é relevante porque está acima deste ou daquele partido político que esteja no governo.
O Poder Judiciário é outra esfera que resiste à reforma administrativa e, historicamente, é poupado das propostas de alteração. Por que há tanta resistência no meio jurídico?
Nós temos três feudos no país: Judiciário, Ministério Público e Forças Armadas. Eles sempre conseguem sair da discussão sobre reforma administrativa. Isso passa uma imagem muito ruim para a população. Tivemos episódios reverberando na mídia como as lagostas e vinhos caros comprados pelo Judiciário… tudo isso depõe contra um Poder da República. Na última reforma da Previdência, por exemplo, vimos a aprovação de regras mais brandas para os militares. São feudos poderosos. Há pressões muito grandes envolvidas e, por meio delas, eles mantêm seus privilégios. Trata-se, basicamente, de um jogo de forças. O Ministério Público também é dotado de regalias sobre as quais pouco se fala. É outro feudo em que não se mexe. E não podemos nos esquecer do Legislativo. Esses privilégios são péssimos e dão a sensação de que estamos queimando dinheiro público.
O governo já começou a indicar políticos da base aliada para cargos estratégicos em conselhos de empresas públicas. A discussão em torno da reforma administrativa também deve passar por um debate sobre as empresas estatais?
No Brasil, com o presidencialismo de coalizão, há uma relação direta entre o número de partidos e o número de ministérios. A governabilidade passa pelo tamanho da base aliada. O presidente, seja ele quem for, precisa de uma grande base para ter governabilidade. As estatais entram nesse contexto justamente para que o governo consiga apoio. Mudar essa lógica diminuiria a aversão de grande parte da população às estatais. No Brasil, associamos estatal a cabide de emprego e influência política. A estrutura das estatais precisa precisa ser modificada, com a diminuição dos cargos de indicação política.
via Metrópoles