Secretário extraordinário da Reforma Tributária escreve artigo para o blog Que Imposto é Esse
A reforma tributária, tema central da política econômica do governo que está se iniciando, deverá ser implementada em duas etapas. A primeira delas —objeto deste artigo— tem como foco os tributos sobre o consumo de bens e serviços (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). Na segunda etapa será proposta a reforma da tributação da renda. O objetivo dessas mudanças é fazer o Brasil crescer mais e, simultaneamente, reduzir as desigualdades sociais e regionais.
A reforma da tributação do consumo já está em discussão no Congresso Nacional desde 2019, por meio das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nº 45, da Câmara dos Deputados, e nº 110, do Senado Federal. As duas propostas —que, em suas versões mais recentes, têm muito mais similaridades do que diferenças— resolvem uma série de problemas que fazem o sistema tributário brasileiro ser um dos mais caros, complexos, injustos e ineficientes do mundo. A correção dessas distorções tem um efeito muito positivo sobre o crescimento do país, o que faz com que todos sejam beneficiados: cidadãos, empresas e governos nas esferas federal, estadual e municipal. Com a reforma tributária todos são beneficiados, mas ganham sobretudo as pessoas mais pobres e as regiões menos desenvolvidas do país.
Partindo da discussão já bastante avançada das PECs 45 e 110, a função do governo será a de apoiar os deputados e senadores na construção da melhor reforma possível dos tributos sobre bens e serviços. Mas quais são as características dessas propostas de reforma tributária que fazem com que elas tenham um impacto tão positivo no crescimento e ainda reduzam desigualdades?
A primeira dessas características é uma enorme simplificação de nosso sistema tributário. As duas propostas consolidam os diversos tributos que incidem atualmente sobre bens e serviços em um ou dois impostos sobre o valor adicionado, com legislação nacionalmente uniforme e regras simples e homogêneas. Supera-se, assim, o verdadeiro caos normativo em que o país se meteu com as diferentes legislações federais (IPI, PIS e Cofins) incidindo conjuntamente com 27 distintos regulamentos estaduais de ICMS e com uma infinidade de normas de ISS, editadas pelos milhares de municípios brasileiros.
A superação deste cenário infernal em que operam as empresas no Brasil resulta na redução de litígios e de custos burocráticos para as empresas, melhorando o ambiente de negócios e permitindo a redução de preços para os consumidores finais.
Mas a reforma faz muito mais que isso.
Por um lado, as PECs 45 e 110 preveem a devolução parcial do imposto pago pela população de baixa renda, de forma progressiva, através de um mecanismo de cashback. Desse modo, a reforma, que contempla a todos, acaba sendo mais benéfica para a parcela mais vulnerável da sociedade.
Por outro lado, pela primeira vez na história da tributação brasileira, a não cumulatividade na tributação de bens e serviços será plena. As empresas passarão a recuperar a totalidade dos créditos relativos aos insumos adquiridos, viabilizando a desoneração integral das exportações e dos investimentos. Reduz-se, assim, o chamado “Custo Brasil”, ampliando a competitividade do produto nacional no mercado interno e no exterior, com todos os ganhos que daí advêm em termos de emprego, renda e crescimento econômico. A recuperação integral dos créditos também acaba com as intermináveis discussões sobre quais insumos produtivos conferem e quais não conferem créditos aos contribuintes, que têm sobrecarregado nossos tribunais judiciais e administrativos.
Para que a não cumulatividade seja efetivamente plena, é essencial que a tributação incida sobre uma base ampla de bens, serviços e intangíveis, como proposto nas PECs 45 e 110. Supera-se, dessa forma, a artificial e anacrônica separação entre a tributação de bens e serviços, que não existe mais em nenhum país economicamente relevante do mundo e é geradora de complexidade e de conflitos de competência entre os entes da Federação.
A reforma tributária também cuida de reconstruir o federalismo brasileiro, muito machucado pelo sistema atual. Neste sentido, as PECs 45 e 110 preveem a atribuição da totalidade da receita tributária ao estado e ao município de destino, onde efetivamente ocorre o consumo do produto ou do serviço, ou seja, onde está estabelecido o cidadão consumidor, que demanda serviços públicos. A tributação no destino corrige uma distorção histórica do sistema tributário atual, por meio da qual se opera uma transferência de recursos das regiões mais pobres do país (consumidoras) para as regiões economicamente mais desenvolvidas (produtoras). Todas as Unidades da Federação serão favorecidas pelo maior crescimento da economia, mas, com a adoção do princípio do destino, os estados e municípios de menor renda serão os que mais se beneficiarão.
As PECs 45 e 110 também asseguram a plena autonomia da União, dos estados e dos municípios na definição da alíquota básica do imposto a ser aplicada em seus respectivos territórios. A sociedade local terá a prerrogativa de, por meio dos seus representantes no Poder Legislativo, discutir a tributação sobre seu consumo e a alocação dos recursos arrecadados.
Adicionalmente, para financiar a política de desenvolvimento dos estados de menor renda, propõe-se a instituição de um Fundo de Desenvolvimento Regional, que substituirá, com total transparência e de forma mais eficiente, a política atual baseada na concessão de benefícios e na “guerra fiscal” que vem minando o federalismo brasileiro. Em paralelo, as duas PECs preveem a manutenção de benefícios para a Zona Franca de Manaus, visando garantir a geração de emprego e renda na região.
Tudo isso é feito sem aumentar a carga tributária. O que a reforma faz é tornar transparente para o contribuinte o total do imposto pago na cadeia de produção e comercialização dos bens e serviços que ele está adquirindo —o que é impossível no complexo e distorcido sistema atual. Assim, promove-se a cidadania fiscal, aproximando o cidadão, pagador do imposto, do ente governamental que utiliza os recursos arrecadados no financiamento das políticas públicas.
Em suma, a reforma tributária, nos moldes propostos nas PECs 45 e 110, é uma das medidas mais importantes na construção de um sistema mais justo e mais eficiente, beneficiando a todos, mas, sobretudo, as famílias de menor renda e as regiões menos desenvolvidas do nosso Brasil.